04 junho 2011

Quase tudo dito e feito

Escrevi, antes da vitória de Dilma em outubro de 2010, que a presidente teria muitas dificuldades em seu mandato, principalmente por fogo amigo, diante do saco de gatos que é a base governista. Haveria muita demanda, muito ciúme, muito interesse. A oposição formal, por sua vez, não lhe faria força contrária, que sairia destroçada no pleito, que não mais existiria na prática. Não me orgulho de ter acertado.

Disse também que Lula constituiria-se por todos os indícios numa eminência parda no novo governo, caso Dilma vencesse.

Dilma venceu e eu errei: A crise Palocci - Antônio Palocci é suspeito de enriquecimento ilícito - trouxe Lula sem o menor constrangimento à cena política, roubando da presidente o papel central nas ações que seriam obrigações naturais da mandatária do maior cargo do executivo.
Lula não se tornou uma eminência parda: ele é, virtualmente, o presidente da república. Lula, com a desenvoltura característica de um elefante na cristaleira quando se trata de proteger seus próprios interesses, sua marca registrada, visitou deputados e senadores do PT, a fim de convencê-los a apoiar e não a rachar o bloco dos convenientemente simpáticos ao combalido ministro de sua própria indicação. Tudo isto sem nenhuma reserva. Pelo contrário, comentando absurdamente sobre o comportamento e (im)competência política de Dilma, sobre sua fraqueza - embora parecesse dizer isto entre aspas -, com um tom leve de um assassino em série que morde sua vítima sutilmente, enquanto inocula-lhe um veneno fatal, enterrando de vez a força da eleita. Reduziu-a a uma zumbi, que não sabe onde está, mas que preferiria, disto sim ela tem consciência, estar longe dali.

Dilma não existe para Lula, foi o que ele provou, foi o que Dilma viu, mas que todos fingem estar tudo bem . Afinal, que saída têm todos eles? Sabiam disto desde o início da indicação da burocrata. Torceram os narizes na época, mas obedeceram.

Quem pariu Mateus que o embale!

Mas, Dilma não pode demitir Palocci sob pena de ver, por uma possível  - mas improvável - represália do então defenestrado ministro,  seus pares e políticos da situação apontados como prevaricadores, pois todos têm rabos presos com todos.
Palocci não faria isto, evidentemente, pois político sempre olha o futuro e a necessidade de acordos futuros, mas alguma coisa certamente deixaria vazar, traído que se sentira por ter comunicado seus feitos a todos previamente.
Não cabe na cabeça de ninguém que Dilma e seus colegas desconhecessem as ações de Palocci. Apenas, como sói acontecer há décadas, o senso de proporção está desaparecido da política, e faz-se tudo sem se preocupar com a justiça, pois ela não pune gente graúda.

Neste caso e como no governo formal de Lula, espera que o indigitado peça demissão, isto é, torce pelo auto-sacrifício. É sua última esperança neste estado de coisas. E deve ser atendida.
Palocci, para preservar-se na futura atividade "civil" que irá exercer após sua saída do governo, para não fixar ainda mais na memória de todos os dois episódios em que teve parte ativa (Francenildo e agora a suspeita de tráfico de influência), sairá espontaneamente.

Isto porém não salvará Dilma.  É tarde demais e Lula apressou o processo. Seu governo está chegando ao fim e muito provavelmente ela alegará alguma doença para renunciar ao cargo de maneira honrosa , q ue muito levianamente aceitou, embevecida também pelo poder de Lula, que nunca a apoiou realmente, mas claramente a preparara como escada para sua volta triunfal em 2014.


O que nos resta, para, como eu disse antes no outro texto de outubro de 2010, melhorar o país, é que Lula também saia com prejuízo desta história da qual é o mentor, para que seu magnetismo de serpente não mais consiga paralisar todos aqueles que dele discordem, mesmo tendo interesses na vitória sob sua sombra. Sua sede de poder, sua saudade de glória contínua, foi seu canto de cisne. Ele exagerou agora e também enterra suas pretensões, pois até às próximas eleições presidenciais haverá muitos outros candidatos.

Há uma outra saída para a presidente, entretanto. Remota, mas há.

Quem sabe Dilma, acuada como está no canto, qual fera perseguida e por isto mesmo passando a perigosa, resolva ser presidente. Mandar Lula às favas; o PMDB e seus acordos leoninos, e a banda evangélica e seu porta-voz chantagista Garotinho para o inferno; Temer para o espaço e, de lambuja, Sarney para um sarcófago carcomido.
Neste impensável gesto, terá apoio dos eleitores e virará o jogo a seu favor, trocando o conluio para governança, o contrato que fizera com o diabo em troca de poder, pelo respeito que todo verdadeiro líder recebe de seus admiradores.

Quem sabe Dilma surpreenda a si mesma.