25 agosto 2009

Os simpatizantes do PT e mais seus partidários andam a cada dia mais nervosos com a candidatura forçada de Dilma Roussef.
Se lançam todos os meios para garantir o poder, a continuidade do PT em todas as esferas do Poder.

Explica-se o comportamento dos integrantes e aliados do PT. Mais de seus integrantes.

O que não se justifica, pode se explicar, claro.

Há ligações histórico-comportamentais com a Situação.

O PT não tem nomes a altura do próprio Lula. Lula confunde-se com o PT, ou é o único petista. Os outros são apenas filiados, sem representatividade. O Rei Sol não disse - ainda - 'Lè ètat est moi', mas nem precisa; isto poreja no petismo.

Há um medo - também explicável e muito justificado agora - geral no petismo com o intervalo 2010-2014 e, após o Alcácer Kibir da próxima eleição presidencial, esperarão o novo Dom Sebastião retornar para salvar-lhe a pátria.

E a realeza planaltina, agora mais eudeusado do que idolatrado, nesta miragem de fogo-fátuo, acende no coração dos seguidores a saudade prévia do messias de Garanhuns, cuja incerteza de volta lhes é acachapante.

17 agosto 2009

Cálice de Holanda


De tão gorda a porca já não anda, de muito usada a faca já não corta...

Chico disse isto há muitos anos e muito bem sobre a ditadura militar,sobre o uso intensivo de força.
Não se podia falar, mostrar erros; a lâmina estava sempre pronta.

O senado (assim, em letras minúsculas, e inclua-se nesta pequenez a excelência parlamentar que desejar assumi-la) tem nos proporcionado o que há de mais rasteiro em termos de moral. É a bola da vez, como se diz popularmente. Já outros integrantes do estado tiveram a sua oportunidade de mostrar o lado escuro das negociatas.

Ali forja-se uma nova conduta, que, por vasos comunicantes sem torneiras restritivas, passa o veneno para todo o sistema.
Dizia um camelô com uma visão de negócios muito além da de seus pares: uma pequena colher de veneno num balde de água límpida espalha-se por todo o conteúdo.

Nos tempos do regime de exceção (locução bonita para uma realidade plúmbea), as maiores patentes ocupavam, na lógica vertical militar, os maiores cargos e, por condução automática, descia a ladeira nos (des)mandos. Faltou chegar a sargento o título de algum dirigente de órgão estatal.
Não deu tempo. Se ficassem mais alguns poucos anos no poder, teríamos cabos ou soldados dirigindo o Detran.

A população tem a automática aceitação de que Brasília, por voto ou por golpe, dê a direção do que é certo ou errado. O que se faz no Distrito Federal, repercute nos degraus mais baixos da hierarquia social, de modo que, se os legisladores fazem e se regulam por tais e tais procedimentos, quem seremos nós, a gente comum definida por Lula, para contrariar?

Brasília, entretanto, não gosta muito disto. Acha que seus privilégios passam por uma isolada fruição. Não é possível que todos ajam da mesma forma, segundo eles. A lei escrita, o preto no branco, é para ser seguida por todos (os outros).

É nítido isto nos sarneys, que não são apenas os herdeiros de josé ribamar. Sob este sobrenome, tão emblemático, se abriga o estado (também em letras pequenas) inteiro, pois é uma família apenas.

A imprensa, a cada dia, nos mostra uma nova faceta do congresso, sem que nenhuma providência seja tomada por algum órgão competente. Todos são incopetentes diante do poder do estado, pois também são parte dele. É difícil meter a faca na própria carne e infinitamente mais galhardo espetar-se a de outrem.

De embainhada a faca do estado não o cortará jamais; de muito usada, a faca da opinião pública já não corta; a porca estatal segue e, de tão gorda, não consegue mais dar um passo, a não ser na direção do cocho.

04 agosto 2009

O Tietê Universal



A luz forte do sol lá fora fazia um grande contraste com o escuro do cômodo.

Poucas pessoas. Móveis rústicos, panelas penduradas e com teias de aranha. Gente magra.
Era um grupo de dez, doze, que mais pareciam estátuas. Desgrenhadas, sem beleza, mesmo entre as mais jovens.
Havia muito que não tomavam banho e o odor e as moscas também de há muito que haviam deixado de incomodar.

Aprenderam a falar palavras essenciais, num novo dialeto.
Algumas olhavam a luz de fora; outros distraíam-se com coisas miúdas ao alcance da mão.
Ninguém agitava. O silêncio era profundo.

___ Ninguém beber da água arranjei – falou Santiago, enquanto escondia o vasilhame de líquido barrento - com dois dedos de nível - dos olhos dos outros.

Ele não faria como os outros. Ficaria. Até o fim. Se estavam decididos, ele também ficaria firme na própria opinião. E sua firmeza era a de não fazer nada. Estava cansado da luta. Capitulava, mas de modo diferente do dos outros.
___ Covardes! - disse consigo.

E olhou para trás para certificar-se de que todos ouviram, por via das dúvidas.
Escutaram mas permaneceram calados. Santiago tinha a consciência de que escamoteavam a intenção para não despertarem suspeita; todo cuidado era pouco na hora de roubar.
Pura dissimulação.

Santiago pensou mais um pouco e achou que todo pensamento como aquele era de completa inutilidade.
___ Vai morrer último, devagar... – retrucou Pedro molemente, enquanto afiava a faca sem pressa.
___ Pior pra você – continuou Pedro.
___ Sua parte pra outros... – falou ainda mais.

Os homens falaram sem gestos, olhando-se fugazmente nos olhos.
O olhar fixo, aquele do reino animal, deveria ser sempre evitado; disposição de luta; desafio; e luta era, sobretudo, movimento.

O telhado crepitou.
O mais velho, cuja certidão de nascimento apresentava-se na cabeça branca, resmungou qualquer coisa.
___ Lembro água grande... – disse uma mulher, e interrompeu a fala para economizar o todo mais um pouco.

O silêncio veio tomar seu lugar ainda mais.

___ Na cidade hidrantes, fontes espirrando acima...
Uma criança tencionou limpar o suor do rosto, que a mãe não deixou, passando a língua para aproveitar a umidade.
___ Pára! – alguém disse de lugar incerto naquele metro-quadrado.
___ Mamãe... Com sede... - choramingou a criança.
___ Agora não demorar... Só mais pouquinho, meu bem...
___ Lembro desmatamento... – outra voz anônima.

A mãe olhou em volta.

___ Se vamos acabar com isso, porque ainda estamos nessa idiotice de economizar palavras? O que tínhamos de economizar antes eram as nossas florestas, nossos rios... Agora só existe areia... Me dá logo essa caneca! – disse, estendendo a mão para Pedro.

Santiago olhou para ela; queria saber se tinha mesmo coragem de continuar com aquilo.

A mulher deu da caneca, passada pela mão de Pedro, à filha e deixou-a beber metade. A menina fez uma careta.

___ Ruim...

A mãe tomou o resto e também fez uma careta, devolvendo o vasilhame.

___ Não vou ficar por último – falou Pedro, tomando sua parte inteiramente.

Logo os demais quase disputaram a vez, se não fosse o velho hábito de economizar movimentos.
Em poucos minutos, somente Santiago restava vivo.
Fez um gesto despeitado com a mão na direção do grupo, como se espantasse uma mosca incômoda.

Voltou-se para fora.
Do alto do morro, viu o Pão de Açúcar elevar-se imponentemente sobre dunas de areia, a perder de vista por todos os lados.