18 dezembro 2005

Estrada Real

Eu nem sabia que a cidade em que nasci era rota do caminho do ouro, a Estrada Real. Bacana isto.

Pouca terra no vaso

Hoje enterrei Maria junto a uma das árvores recém-plantadas na rua onde moro.

Conviveu comigo uns dois anos e nem sei como ela veio parar no meu apartamento. Acho que o inquilino anterior esqueceu-a aqui e eu adotei.

Maria e Matilde, duas pequenas folhagens que moravam no exterior da janela do meu banheiro, que dá para a área de serviço.

Dizem que, quem fica sozinho e não deixa um animal ou vegetal morrer, estará pronto para uma nova relação.

Maria e Matilde não morreram. Mas não foi porque cuidei delas: foi porque elas realmente são plantas resistentes.

Hoje vi que, com o vento, Maria caiu dentro do tanque, pela 'enésima' vez. A cada queda nesses dois anos, menos terra. Hoje chegou ao limite, não dava para continuar.

Diria você que bastava comprar terra? É verdade, mas nunca me lembrei (ingrato que fui) e, por conseguinte, também não comprei.

Levei Maria para a lata do lixo e continuei minha limpeza do ap., até que um remorso bateu.

Bem ou mal, Maria e Matilde me fizeram companhia e, nas poucas vezes que por ali passei, somente as reguei quando via uma das duas dentro do tanque, desterradas.

Voltei à lata do lixo, me vesti e desci as escadas. Fui à praça e escolhi um cantinho junto a uma árvore em crescimento.

Voltei satisfeito, pois uma faria companhia à outra, e ela teria todos os nutrientes da terra para a qual a transplantei e toda a água que Deus manda aos vegetais, independendo de um humano ingrato.

15 dezembro 2005

Escala Cromática

Marcaram local e hora, após muito tempo sem se ver. Na verdade, estiveram muito próximos fisicamente poucos dias antes.
Ele não tinha certeza quanto a ela, mas de si mesmo sabia que sentia um tempo longo, ou tempo nenhum. Certezas não cabiam na possibilidade de medir uma distância entre ambos, fosse qual fosse o padrão utilizado.

Não moravam muito distantes um do outro, em termos quilométricos, se se perguntasse a qualquer pessoa não sabedora da ligação forte, emocional, amorosa, que neles re-unia o que antes tornara-se único, rapidamente único.
Viram-se num dia, pela primeira vez, que durou três. E dera vontade de contar outra vez.

Para quem os conhecia (poucas pessoas - talvez nenhuma - sabiam sobre a proximidade que crescera no conta-gotas do conhecer, expressão que ele pegara dela, criada por ela magicamente num pensamento ocasional sobre os primeiros movimentos sutis entre eles) também iria atrapalhar-se com relação a distâncias, se os considerasse em extremos opostos.
Seriam pegos entre conceitos paradoxalmente conflitantes, no sacrifício de definirem o oposto de estar longe e perto no mesmo momento em horas diferentes...

Ele ia revê-la. De ônibus. Seis horas de viagem, que ele não viu passar, pois o pensamento não acompanhava o corpo, que se movia de um ponto geográfico a outro; um outro paradoxo em uma união muito bem resolvida.

O ônibus chegou; os passageiros apanharam suas coisas e atulharam o corredor. Ele permaneceu sentado, sem ânsia. Não havia mais por que correr. Não iria mesmo a lugar nenhum. Ele estava e assim permaneceria, pois paz era sinônimo de sabor.

O corpo levantou-se e o pensamento sorriu. Agora urgia correr. O tempo de repente fez-se todo diferença; as distâncias, sentido.
Procurou-a por entre as pessoas na plataforma, com um sorriso já desenhado no rosto, mas ela não estava ali. Sentiu-se um pouco triste, alegre e triste, e alegre, sem saber em quais proporções se dividia e se tornava inteiro.

Correu à Cafeteria, ponto remarcado do primeiro toque físico, leve, sem intenções, premeditações: apenas presenças acidentais comprovadas. Estremecimentos, beijos carinhosos, tímidos, ousaram levantar vôo, contidos pela natural atmosfera que cercava ambos.
O tempo parara ali, enquanto correra alucinante, desvertigenado.

Ele sentou-se na exata cadeira anterior e esperou-a. Olhou o cardápio, onde não lia.

Um vulto acercara-se suavemente e um perfume inodoro transbordou-o sem alcançar seus limites. Não quis levantar os olhos, pois, no fundo, temia a decepção, que sabia não ter.

O vulto permanecia. Não havia remédio, olhou, sem perceber que aspirava o perfume pressentido.

A Pastoral de Beethoven, no seu movimento mais jovial, crescia do fundo de si progressivamente como se uma onda de luz viesse, esse, esse... Ela estava ali... Onde fora? Por que não saíra? Voltara? Estivera indo?

Ele levantou-se, chegou-se, alargou os braços e enlaçou-a. Ambos sentiram um ligeiro tremor, como se acordassem de um sonho bom, enquanto a realidade de algo maior os enrodilhava.

E redescobriram naquele momento e como sempre, o que pressentiram já sabendo, mesmo antes do primeiro sussurro, que o melhor lugar do mundo para se ir, e estar, era serem.

13 dezembro 2005

Conto de Natal

Dezembro; 24.

Um pinheiro no centro de uma sala sustentava, em seus inúmeros braços, vários enfeites e fitas coloridos, com estrelas e bolas reluzentes por todo o cone verde.
Debaixo dos ramos e sobre o carpete, vários pacotes ornados com papéis finos e brilhantes assinalavam os nomes de todos os membros da família.
Um menino olhava a paisagem branca de neve, vislumbrando os galhos secos através da janela congelada e embaçada por seu hálito quente, que o obrigava a, de tempos em tempos, passar a mão enluvada no vidro, mirando o jardim monocromático.
Sua imaginação levava-o a outra terra mais feliz que a sua, com um Natal colorido muito além das duas cores que enxergava.


Num outro lugar de latitude sul, os flamboyants se enfeitavam para a grande noite: dia após dia, misturavam verde, vermelho e laranja contra o azul do céu.
Pela janela fechada e sob o zumbido do ar-condicionado de seu quarto, uma menina olhava as folhas e flores daquela árvore e pensava se, com um pouco de neve, o Natal não poderia se transformar numa festa mais alegre, como naqueles motivos de cartões, que se penduravam no pinheiro de plástico enfeitado por sua mãe lá na sala, a mostrar cenas de anjinhos com bochechas rosadas e neve de algodão. Pela casa, como todos os anos, escondidos por seus pais, vários presentes magicamente apareceriam junto aos enfeites da falsa lareira, à meia-noite.
Talvez no próximo ano ela fosse para Nova Iorque, nessa mesma ocasião: Aí seria um verdadeiro Natal, com trenós e patins no Central Park.


Noutra coordenada sul, uma menina brincava com uma boneca antiga e desmembrada, em um casebre sobre um morro de construções sem telhas, onde os furos no zinco deixavam que o sol redesenhasse no chão batido a Via Látea que ela tanto apreciava nas noites de verão.
Vestia e tornava e despir sua "bruxinha", limpando as gotas de suor que teimavam em escorrer por suas têmporas: "Sueli" fora encontrada por ela mesma na lixeira coletiva da favela dois anos antes, um terço de sua vida inteira - um verdadeiro milagre, um presente de algum Papai Noel extemporâneo. Do nascimento de Cristo ela sabia, mas de árvores de Natal apenas ouvira falar.
A Véspera resumia-se na igreja, lá em baixo no asfalto, quando e onde sua mãe iria orar e pedir a Deus um pouco mais de compaixão.


Num gueto, num lugar incerto e deslembrado, um menino tremia de frio, trazido pelas rajadas de um vento cortante, que entrava pelos vidros quebrados da janela, e que também balançava um galho de pinheiro, do lado de fora.
Pensava ele no quanto seria bom ter um pouco mais de carvão para um antigo e empoeirado aquecedor.
Sentiu-se feliz quando se lembrou que iria ao Templo, onde poderia esconder-se do frio durante a cerimônia, da qual tinha apenas noções. Só sabia que era bom estar lá.


Mas é tempo de alegria. Reflita sobre isto: melhore as coisas, tente tornar o mundo justo, pois seu ato trará em si mesmo a alegria da participação e da contribuição.
E alegria é estar com Deus, a Paz; é tudo que queremos.


Em um outro tempo, numa gruta, um recém-nascido, mais pobre e mais rico que qualquer outro, numa noite fria de mesmo dezembro, em uma manjedoura de estábulo, chegou para mostrar o Caminho.

Um feliz Natal para você; esteja onde estiver.

Pensando alto

Sou um cara de sorte. Eu gosta de mim. E olha que isto não é língua de índio, hein?

Outro boa-noite para você e um boa-noite muito especial para Eu.

Águas Calmas

Agora que já postei a raiva, vamos à bonança.

Que bom que somos assim, num minuto onda, noutro partícula.

E vamos duais, vibrando eletromagneticamente, como eletromagneticamente nos constituímos, até que a imobilidade nos venha desmentir.

E salve! a aceleração que nos dá a certeza de gravidade, e o sono a nos dar a imponderabilidade que tanto necessitamos.

Boa noite!

06 dezembro 2005

Gênese da irritação, frustração, e muitos outros ãos

Hoje foi um dia exaustivo.

Emoção lá na casa do...

Coração bate forte, mas sozinho; não há ecos. Ou há, mas não nos mesmos harmônicos; sem sincronia.

Ruim; amar sozinho ou jogar-se para valer de peito aberto é pra macho.

Pra macho, macho, homem, e também para macho-cado.

Não dá para não sentir dor. O filme Um Homem Chamado Cavalo (Richard Harris) faz a superação da dor para melhor suportar as dores miúdas, mas não o imuniza.

E assim segue a humanidade reunindo solitários cada vez mais cegos ao futuro com alguém.

Pedem sempre alguém de boa fé, mas, quando recebem, ainda têm dúvidas.

Ao diabo com todas as mulheres cegas e com todos os homens que nunca tiveram olhos, inclusive eu.

Que se dane a humanidade, até que a morte nos aconchegue todos juntos.