15 dezembro 2005

Escala Cromática

Marcaram local e hora, após muito tempo sem se ver. Na verdade, estiveram muito próximos fisicamente poucos dias antes.
Ele não tinha certeza quanto a ela, mas de si mesmo sabia que sentia um tempo longo, ou tempo nenhum. Certezas não cabiam na possibilidade de medir uma distância entre ambos, fosse qual fosse o padrão utilizado.

Não moravam muito distantes um do outro, em termos quilométricos, se se perguntasse a qualquer pessoa não sabedora da ligação forte, emocional, amorosa, que neles re-unia o que antes tornara-se único, rapidamente único.
Viram-se num dia, pela primeira vez, que durou três. E dera vontade de contar outra vez.

Para quem os conhecia (poucas pessoas - talvez nenhuma - sabiam sobre a proximidade que crescera no conta-gotas do conhecer, expressão que ele pegara dela, criada por ela magicamente num pensamento ocasional sobre os primeiros movimentos sutis entre eles) também iria atrapalhar-se com relação a distâncias, se os considerasse em extremos opostos.
Seriam pegos entre conceitos paradoxalmente conflitantes, no sacrifício de definirem o oposto de estar longe e perto no mesmo momento em horas diferentes...

Ele ia revê-la. De ônibus. Seis horas de viagem, que ele não viu passar, pois o pensamento não acompanhava o corpo, que se movia de um ponto geográfico a outro; um outro paradoxo em uma união muito bem resolvida.

O ônibus chegou; os passageiros apanharam suas coisas e atulharam o corredor. Ele permaneceu sentado, sem ânsia. Não havia mais por que correr. Não iria mesmo a lugar nenhum. Ele estava e assim permaneceria, pois paz era sinônimo de sabor.

O corpo levantou-se e o pensamento sorriu. Agora urgia correr. O tempo de repente fez-se todo diferença; as distâncias, sentido.
Procurou-a por entre as pessoas na plataforma, com um sorriso já desenhado no rosto, mas ela não estava ali. Sentiu-se um pouco triste, alegre e triste, e alegre, sem saber em quais proporções se dividia e se tornava inteiro.

Correu à Cafeteria, ponto remarcado do primeiro toque físico, leve, sem intenções, premeditações: apenas presenças acidentais comprovadas. Estremecimentos, beijos carinhosos, tímidos, ousaram levantar vôo, contidos pela natural atmosfera que cercava ambos.
O tempo parara ali, enquanto correra alucinante, desvertigenado.

Ele sentou-se na exata cadeira anterior e esperou-a. Olhou o cardápio, onde não lia.

Um vulto acercara-se suavemente e um perfume inodoro transbordou-o sem alcançar seus limites. Não quis levantar os olhos, pois, no fundo, temia a decepção, que sabia não ter.

O vulto permanecia. Não havia remédio, olhou, sem perceber que aspirava o perfume pressentido.

A Pastoral de Beethoven, no seu movimento mais jovial, crescia do fundo de si progressivamente como se uma onda de luz viesse, esse, esse... Ela estava ali... Onde fora? Por que não saíra? Voltara? Estivera indo?

Ele levantou-se, chegou-se, alargou os braços e enlaçou-a. Ambos sentiram um ligeiro tremor, como se acordassem de um sonho bom, enquanto a realidade de algo maior os enrodilhava.

E redescobriram naquele momento e como sempre, o que pressentiram já sabendo, mesmo antes do primeiro sussurro, que o melhor lugar do mundo para se ir, e estar, era serem.

Um comentário:

Anônimo disse...

Adorei o texto!
Muito sensível a sua descrição, os detalhes.. Gostei da forma como os sentimentos foram passados. Nota 10! Um belo começo de história...

Um bom dia! :)
marciac

(Não consegui comentar com identificação...)